Carta & Carta

Conheça a história de Felipe Goes, jornalista e especialista em design gráfico e mestre em Design Gráfico, baseado em Fortaleza.

Breve apresentação

Sou Felipe Goes, jornalista e designer gráfico com foco em design da informação. Dentre as pesquisas e trabalhos que já realizei, concentro atenção nos caminhos que o design assume na gestão de conteúdos bem como nos processos criativos presentes no campo editorial. Atuo como docente na Faculdade Maurício de Nassau e Universidade de Fortaleza. Fui designer editorial no jornal Diário do Nordeste, autor do projeto gráfico e diretor de arte da Revista Gente por 5 anos. Realizei trabalhos para o Governo do Estado do Ceará, Sistema Verdes Mares, Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine) e Livraria Cultura. Em 2015 fui vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Criação Gráfica para Jornal com o projeto O Quinze. Hoje realizo Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais na Universidade do Porto – Portugal.

Felipe Goes

Como soube que design editorial era o que deveria seguir como carreira, ainda que possua sua formação principal em Jornalismo?

Engraçado pensar sobre isso hoje. Eu já desenvolvia algum trabalho como designer gráfico antes da faculdade, influenciado por meu irmão e, principalmente, meu pai. Cresci vendo ele projetando letterings à mão para serigrafia, naquele ambiente caótico e super criativo. O jornalismo foi uma resposta inocente ao meu gosto pela escrita, coisa que ainda mantenho. Durante a faculdade lembro de certas crises, de pensar que deveria estar na publicidade, talvez. O que seria uma escolha equivocada, não fosse a orientação de alguns professores.

Quando perceberam meu interesse em desenhar as páginas para as matérias que escrevia, logo abriram os meus olhos e me ajudaram a superar essa crise. Mas foi quando vi a materialidade da primeira publicação escrita e desenhada nas minhas mãos que percebi: é isso que eu quero fazer! Foi o jornalismo que me guiou para o design editorial, e foi na correria das redações que aprendi como isso funcionava. Havia muita confusão neste período. Era engraçado: alguns jornalistas não entendiam o que eu estava fazendo, por que eu “não escrevia”. Já na graduação eu era o “aluno do jornalismo” nas disciplinas de criação da publicidade. É claro que, posteriormente, busquei me especializar.

O Quinze. Esso Journalism Award (ExxonMobil) for Newspaper Design. Textos por Beatriz Jucá; edição por Maristela Crispim; fotos por Fabiane de Paula e Eduardo Queiroz.

Um fato que te marcou quando iniciou a carreira como designer, que ficou na memória até hoje e se reflete na maneira como trabalha.

Ainda na infância foi o cheiro de tinta e solvente. O meu pai é o cara mais criativo que devo conhecer de perto. E muito do apego aos processos manuais, do cuidado com o acabamento, vêm dele. Depois, na fase adulta, foram os primeiros projetos especiais do jornalismo. Aos pouco, dentro do Diário do Nordeste, eu fui direcionado a tocar esses cadernos, para dar forma. Acredito que foram as reuniões de pauta, as colocações que eram feitas para a construção de uma proposta mais adequada, e não simplesmente uma resposta visual dentro de uma etapa final. Esse modelo de construção editorial mais colaborativa foi se tornando algo comum a cada nova reportagem. Eu tava ali muito “verde” ainda e ouvia gente com muita experiência em outras áreas, cresci muito com isso e errei muito também. E é um erro que não passa despercebido: no dia seguinte tu tens 30, 40 mil exemplares na rua, 40 mil erros impressos. É algo que não se esquece e que te faz mais responsável pelo que tu escolhe!

“This work presents 4 design studios profiles located in the city of Porto – Portugal and interviews their respective creative directors. The editorial observe the potential that lies at the heart of these spaces for a graphic expression construction.

Como nasceu o Carta&Carta e qual o seu propósito?

De uns 3 anos pra cá eu comecei a sentir essa necessidade: ter um espaço mais estruturado para criar e falar sobre design, mais especificamente sobre design editorial. Isso ganhou mais força durante o tempo em que estive no Porto. Eu adiei diversas vezes esse projeto. Nunca me sentia pronto ou apto para colocar isso dessa forma. Sentia que precisava saber mais, aprender mais, ler mais, trabalhar mais. Eu ainda sinto que preciso de tudo isso! Mas, em determinado momento me senti confortável para dar vida ao projeto, e acho que é um passo, não uma chegada.

Carta&Carta é também um espaço para outras vozes, para trabalhos de outras pessoas que admiro, para certa reflexão sobre alguns assuntos que entendo como necessários. Outro foco aqui é a realização gradativa de uma arqueologia da produção editorial local, tomando o design como palavra-chave. Algo que deve ficar mais claro com o passar do tempo. Essa é a proposta do blog. No fundo é uma rede colaborativa, ainda que algumas pessoas não tenham entendido isso, talvez por ainda pensarem em modelos mais tradicionais, o lance de empresa e concorrência.

O que te levou a Porto?

Primeiro, a vontade de mudar, de puxar o tapete, de respirar outra energia. Segundo, a vontade e a necessidade em me especializar, em realizar um mestrado no assunto. Depois de algumas pesquisas e indicações, cheguei ao Mestrado em Design Gráfico e Projetos Editoriais, na Universidade do Porto. Fui pelo curso e acabei descobrindo uma cidade incrível!

Registro do último dia de trabalho de Felipe Goes no Diário do Nordeste, enquanto finalizava o espelho da revista Gente.

Como que trabalhar no Diário do Nordeste por tanto tempo influenciou e moldou a forma como você enxerga a disciplina de Design?

Acho que me ensinou a pensar, a argumentar, agir rápido e a perceber com o erro impresso no dia seguinte. O ritmo do jornal não é bem o ritmo que nós designers gostaríamos de ter. Mas isso te “forja” e te coloca diante de situações maravilhosas, pro bem ou pro mal. Acho que me ensinou que o processo às vezes falece, que você precisa ser prático em 90% do tempo. Tem uma série de pessoas envolvidas, então você precisa desenhar aquilo para que seja editado, revisado e fechado.

Não tem nada mágico ou sobrenatural nisso: você precisa dar uma resposta visual clara, dentro de um projeto gráfico já estabelecido. Teu limite de liberdade é pequeno e você precisa, constantemente, ter argumentos para suas ideias. Quando você encontra tempo, tem então uma oportunidade rara para outros discursos visuais.

“The editorial planning for the publication used as criterion a information organization in a timeline. When mapping the main events of the year, we see a opportunity to present the issues in chronological order, dividing the editorial by hierarchical color. Each section opens own timeline, featuring articles written by the editors, a critical analysis of the year.”

Você ensinou por muito tempo em instituições de Fortaleza. O que ensinar te ensinou?

Na verdade, minha atividade como docente é recente (2013). Gosto muito do ambiente acadêmico, da sala de aula para trocar experiências. Foi um dos motivos que me fez procurar o mestrado e foi mais uma daquelas situações em que senti: não estou pronto para dar aula. Mas fui! Você aprende muito com a necessidade de atualização constante, de desmontar processos que você fazia e que agora precisa fundamentar para explicar.

Acho que preparar aulas e enfrentar turmas com 30, 40 alunos quase que diariamente, é um exercício cansativo mas super gratificante, principalmente quando existe uma troca real de processos e conhecimento. Você aprende muito quando observa as soluções que são apresentas para algumas questões. São caminhos que normalmente você não tomaria.

“Each brochure seeks to reflect your personality through a typographic expression to make use and break basic rules in your composition.”

Como você define o limite entre o Design editorial que existe para estruturar e organizar informações, e o que existe como forma de arte?

Você andou lendo minhas anotações do mestrado? De um lado o design editorial parece ser uma estruturação racional para o conteúdo. Por outro lado, quando a gente olha para livros como o Printed Matter (1996), do Kinross, Triest e Martens, parece surgir certa necessidade em colocá-lo em outra categoria. Hoje você possui recursos digitais para a leitura de uma publicação mais trivial. Mesmo em níveis estruturais de informação, aquilo que foi impresso não precisa ser monótono.

Acho que o digital deu razão para o editorial encontrar o seu papel, se vai ser impresso, o design precisa caminhar um pouco mais para a direita nesta régua. São escolhas como o tipo que compõe a voz de um livro, o papel e o acabamento, por exemplo, que fazem da publicação algo cheio de uma aura material que justifica sua impressão. Mesmo um livro-texto pode encontrar ótimas oportunidades para uma bela expressão em microtipografia, por exemplo.

Imortais – Mozart & Salieri. Veja mais.

Designers costumam se empenhar bastante para criar algo refinado e que faça sentido no final de tudo. No contexto digital, isso se traduz muitas vezes em soluções óbvias, simples de usar e ao mesmo tempo elegantes. No editorial, isso pode ser traduzido em um projeto que possui características visuais que engajam a leitura e à imersão do conteúdo.

Mas colocando esses dois universos lado a lado, o design editorial tende a usar mais do seu lado arte, provocando mais reflexão sobre o que se lê do que necessariamente apenas se deixar ser lido. Como você tende a equilibrar esses aspectos, levando em consideração que leitores comuns não saibam necessariamente diferenciar entre um bom design e um que deixa a desejar?

Às vezes a publicação precisa apenas responder ao seu propósito, de forma atraente. Eu tive excelentes professores que me diziam constantemente para saber deixar a publicação ir para onde ela quer. Isso requer maturidade dentro do processo, sobre pesar mais ou menos a mão durante sua paginação. Nos 5 anos em que assinei o desenho da revista Gente, por exemplo, buscava controlar esse ritmo através da organização estrutural dentro do espelho. Eu sabia que determinados conteúdos tinham mais possibilidades de expressão, então era preciso organizar essa ordem, era preciso entender os assuntos, conversar com o repórter, com o fotógrafo, com a produtora e ouvir, ouvir muito. Enxergar e sentir a publicação para saber como ela começa, caminha e termina. Acredito que o leitor tem então nas mãos aquilo que começa a folhear e não consegue largar, logo está preso à leitura.

Revista Gente. “5 Years – 10 Issues. A biannual publication by Diário do Nordeste newspaper. The editorial project meets, art, culture, gastronomy, entertainment, tourism, economy, fashion, and behavior.”

Banca de jornal destacando a revista Gente, onde Felipe trabalhou por 5 anos. Foto de Felipe Goes.

Um princípio que você não abre mão, enquanto profissional? E enquanto pessoa?

Acho que esta serve para os dois, é do Karl Gerstner: “aprecio o imperativo moral de que nenhuma tarefa é tão insignificante que não seja o caso de realizá-la em conformidade com os padrões mais elevados.”

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