Estúdio Arco

Estúdio Arco (hoje Polar, Ltda) fundado pela dupla de designers Lais Ikoma e Ronaldo Arthur Vidal.

“Por mais que tenhamos uma paixão individual pelo design e expectativas de como ver os projetos serem realizados, design é o nosso trabalho, os projetos não são só sobre nós, não acho que devem ser desenvolvidos apenas ao nosso favor, portanto devem atender e comunicar com seu público.”

Qual sentimento que vocês têm quando executam um trabalho de Design?

LAIS Design é a minha profissão; o trabalho de Design envolve não apenas o ato de criação, mas também a administração dos negócios, a gestão das pessoas que estão envolvidas conosco em cada projeto, o atendimento com o cliente e outras inúmeras coisas que lidamos no dia a dia do estúdio. Tenho muita satisfação de trabalhar, em ver as coisas acontecendo, em realizar pequenas coisas todos os dias que constroem um projeto maior. Acho que é isso, eu sinto satisfação.

Quanto ao trabalho de criação, em meu processo sempre coloco na balança um impulso imaginativo com o raciocínio para a solução; não acho que a resposta para o problema deve refletir a minha vontade individual com o projeto, e também não deve ser uma resposta matemática; mas acredito que cada projeto tem uma resposta mais próxima do “correto” para aquele momento.

RONALDO Acredito que o momento de executar um trabalho de Design não é muito bem delimitado, acaba por transpassar para meios de pensar e agir no dia-a-dia. Vejo o design como um raciocínio de organização e análise. Por estar imerso nisso todos os dias, acabo por levar esse pensamento para ações do cotidiano.

Agora, com relação à etapa de execução de um projeto, busco criar algo que seja prazeroso, tanto para quem produz quanto para quem consome. Talvez o ponto mais alto e que fico mais entusiasmado é o momento em que identificamos que estamos no caminho certo, um tipo de direcionamento que nasce de muita análise e uma condução de raciocínio.

Ronaldo Arthur Vidal e Lais Ikoma.

Como vocês se conheceram e deram início ao estúdio?

RONALDO Nos conhecemos na faculdade, e desde então entre aulas e estágios em agências sempre conversamos sobre abrir nosso próprio estúdio. A vontade começou a se concretizar assim que nos formamos. Ainda trabalhando cada um em seu emprego, já colaborávamos em projetos nas horas extra.

Optar pela transição mais longa foi uma escolha essencial para o início do estúdio. Enquanto os empregos garantiam a remuneração regular de cada um, tínhamos mais tranquilidade para estruturar a empresa em todos campos. Neste período conseguimos preparar materiais institucionais, desenvolver projetos pessoais e criar metodologias de trabalho, além de poder sentir aos poucos como é tocar o próprio negócio.

Identidade visual e motion design de Estúdio Arco.

LAIS Em algum momento percebemos que não teríamos tanta satisfação trabalhando em outros modelos de empresa, ao mesmo tempo em que conversávamos sobre processos e entregas que condiziam mais com nossas convicções no trabalho. Quando tomamos essa decisão de abrir o estúdio, um pouco antes do último ano da faculdade, começamos a articular esse movimento e preparar um campo para sua viabilização, fazendo um planejamento financeiro e da estruturação da empresa.

É interessante ver como essa parceria evoluiu. Quando começamos a trabalhar juntos, lá no início, o que me deixava admirada e o que nos consolidou como dupla foi o modo como tínhamos um pensamento muito semelhante, processos e gostos parecidos. Mas com o passar do tempo e nossas experiências por lugares e campos diferentes do design, hoje afirmo que nossas características são mais complementares. Isso se mostrou muito útil não apenas com relação a afinidades em áreas distintas do design mas também aptidões para gerir os negócios, lidar com pessoas e cuidar de determinadas situações.

“Quando nos definimos como multidisciplinares, estamos dizendo que muitas coisas no campo do design nos interessam e que gostaríamos de explorar.”

Poster para a 32ª edição do Prêmio MCB, selecionado como um dos 10 finalistas.

O que significa ser designer multidisciplinar, na opinião de vocês? Existe um padrão, ou conjunto de coisas que qualquer profissional pode fazer pra se tornar multidisciplinar?

LAIS Considero o “multidisciplinar” como um perfil de trabalho. O primeiro ponto é o interesse, e depois vem a capacidade e o envolvimento do profissional com vários campos do design. Quando nos definimos como multidisciplinares, estamos dizendo que muitas coisas no campo do design nos interessam e que gostaríamos de explorar. É uma maneira de se posicionar de forma em que conseguimos trabalhar em diversos perfis de projeto e transitar entre mercados. Aqui no estúdio, o que chamamos de multidisciplinaridade vem também da nossa complementariedade. Somados, trabalhamos com branding, embalagem, livros, exposições, motion graphics, dentre outras coisas que trouxemos como bagagem para o estúdio.

RONALDO Vejo a profissão como um estimulador da multidisciplinaridade. É comum vermos a dúvida de se posicionar como especialista ou multidisciplinar. E não é preciso se definir em alguma delas, a não ser que seja um posicionamento do designer. Neste caso, somos multidisciplinares. O que quer dizer que buscamos diversificar nossa entrega de forma que possamos para trabalhar e experimentar de múltiplas áreas e métodos de trabalho. E isso também não quer dizer que fazemos de tudo; a ideia principal é mais se propor a atuar em diferentes áreas e setores, do que efetivamente tentar ser o especialista de cada.

Identidade visual para Círculo 1,
clube de motociclistas.

Os projetos que vocês fazem quase sempre tem o apoio de motion design, e pode-se dizer que essa é uma característica forte do estúdio. Como vocês chegaram nessa linha de trabalho?

RONALDO Retomando um pouco a pergunta anterior, até brincamos que somos um estúdio multidisciplinar com foco em motion. Esta linha de trabalho não foi planejada desde a concepção da empresa, e sim acabou surgindo e tornando-se um de nossos pilares de criação. Pensando bem, o termo motion design me incomoda um pouco em certo sentido; não tenho o objetivo de ser um motion designer, mas poder trabalhar com motion na área do design gráfico. Acredito que estamos mais para motion graphic design, se é que pode se dizer assim.

LAIS Nós somos um estúdio de design gráfico, atendemos a diversos tipos de demandas, mas é inegável o grande fluxo de projetos de motion em que trabalhamos. Motion nos abriu e nos abre muitas portas, é um importante aliado da nossa prática de design. Por esse motivo nós continuamos estudando e evoluindo nossa entrega nessa disciplina específica para atender às demandas do mercado.

Vídeo de lançamento para apresentação de Vinila, tipografia desenhada por Flora de Carvalho em parceria com Plau Design.

Todos os projetos incluem entrega de motion?

LAIS Não, muitas vezes o projeto não tem essa necessidade, e não vamos inserir em um escopo de entregas se percebemos que não tem aplicação para o cliente; às vezes não vale o esforço de energia e tempo, ou gasto de recurso. Mas quase sempre utilizamos o motion em nossas apresentações. Ver as coisas em movimento tem um efeito de encantamento e às vezes até lúdico. Em certos casos, é ótimo para sintetizar a ideia de um projeto, apresentar o raciocínio; é um modo de economizar em palavras e já mostrar a explicação de uma maneira didática e prática.

RONALDO Muitas vezes percebemos o quanto o pensamento e raciocínio de motion influenciam nossas decisões de design gráfico. O interessante é que já aconteceu e acontece de, por exemplo, nos procurarem para desenvolver um projeto de embalagem e incluir também no escopo animações para a divulgação da marca por terem visto que trabalhamos com motion.

“Motion nos abriu e nos abre muitas portas, é um importante aliado da nossa prática de design. Por esse motivo nós continuamos estudando e evoluindo nossa entrega nessa disciplina específica para atender às demandas do mercado.”

Quais tipos de projetos vocês sentem mais liberdade criativa: do setor cultural ou projetos comerciais? E qual exatamente a diferença entre esses perfis de projeto?

LAIS Assim como no âmbito da prática do design, do perfil de projeto, nós nunca quisemos atender a um só mercado. Nos lugares em que passamos, sempre sentimos uma polarização no tratamento do que é o chamado setor cultural e o que é chamado de setor comercial. Com o estúdio, a nossa proposta sempre foi chegar a resultados que acreditamos e gostamos muito, independente do perfil do cliente ou o mercado que ele atende.

Nós não fechamos os olhos para o fato de que os setores apresentam diferenças. Mas no que tange à prática do design, é igualmente possível tirar o melhor proveito de cada trabalho e que, independente do setor, merecem o mesmo cuidado.

Tendemos a achar que quanto mais liberdade criativa, melhor. Mas acho que é importante equilibramos esse ponto sem se esquecer que estamos, na verdade, a serviço de alguém. Liberdade não faz do projeto melhor ou mais adequado a um público; e nem quer dizer que liberdade garantirá o mesmo nível de critério e refinamento de um projeto que apresenta mais exigências prévias. Também não quer dizer que, quanto mais exigências prévias, mais privados estamos de nossa liberdade criativa.

“Design60+ é uma plataforma online que dá espaço para textos e estudos relacionados ao relacionamento entre pessoas da terceira idade com design gráfico.”

Então eu acho que acima da liberdade ou da não liberdade, acima do setor cultural ou comercial, está a adequação. Por mais que tenhamos uma paixão individual pelo design e expectativas de como ver os projetos serem realizados, design é o nosso trabalho, os projetos não são só sobre nós, não acho que devem ser desenvolvidos apenas ao nosso favor, portanto devem atender e comunicar com seu público.

Mas falando de forma prática: trabalhamos no projeto de identidade visual da OLX, que é uma marca com público extremamente abrangente com relação à faixa etária, classe social, região do país. Ou seja, a princípio pensa-se que existirão muitos limites com relação à criação. Mas no final das contas, foi um dos projetos em que mais tivemos liberdade, um dos que menos houveram devolutivas, e que o processo foi muito aberto e tranquilo. Penso que essa polarização do mercado poderia ser desmistificada. No dia a dia do estúdio, em nosso vocabulário não falamos “aquele projeto comercial chato que paga bem” ou “projetos culturais são muito mais legais”, que são coisas que ouvimos com muita frequência. E essa mentalidade é algo que nos dá bastante tranquilidade: é muito raro chegar algum projeto no estúdio no qual a gente não curta trabalhar.

RONALDO Para nós, a liberdade criativa de um projeto não tem a ver com o setor, e sim até onde o cliente ou o produto/serviço está disposto a explorar. Não nos restringimos a fazer apenas projetos culturais ou comerciais, é mais interessante poder transitar nesse meio e estar a disposição para oferecer ao cliente a melhor entrega possível dentro da sua demanda e direcionar o projeto de acordo com o consumidor final.

Parceria com Interbrand.

Alguma vez a idade de vocês atrapalhou o negócio? Qual foi a saída nesses momentos?

LAIS Atrapalhar os negócios, não. Na verdade, essa questão da idade se dá muito mais presente entre colegas do que clientes. No início tínhamos, sim, receio com a percepção dos clientes – e mais recentemente também de nossos alunos – por causa da nossa idade; mas isso nunca se mostrou uma fraqueza. O contrário acontece muitas vezes: os clientes nos procuram julgando que, por causa da idade, vamos conseguir trazer um olhar diferente sobre seu negócio – o que sabemos que não é uma regra estabelecida pela idade. Apesar disso, não utilizamos nossa idade como veículo para nos fortalecer; nós simplesmente fazemos o trabalho. Nem seria muito esperto fazer uso desse discurso porque, eventualmente, não seremos mais tão jovens!

E penso que ter essa validação dos clientes não é dada apenas pelo nosso trabalho, mas também por todo um cenário do mercado de design em que pessoas cada vez mais jovens vêm fazendo coisas cada vez mais incríveis, e isso é muito legal.

Aparte a questão dos negócios, pessoalmente acho muito positivo ter optado cedo por seguir com o estúdio. Para isso, nosso foco estava totalmente na construção da empresa desde os tempos de estudantes. Mas agora com o estúdio rolando, isso nos dá margem para voltar um pouco e nos possibilita investir em estudos que não fizemos antes.

Lais Ikoma e Ronaldo Arthur Vidal. Co-fundadores do Estúdio Arco.

Qual a sensação de “largar” emprego em agências já estabelecidas no mercado para criar algo de vocês? Qual foi o principal fator pra isso acontecer?

RONALDO Sair de um lugar onde você se preocupa apenas com o design para ir para o próprio estúdio, onde você acaba ocupando todas posições, é um salto. Por termos feito isso de forma prolongada, acabou não tendo um impacto imediato tão grande pois já estávamos tão imersos no estúdio que esta transição foi praticamente natural. A certeza da mudança foi surgindo aos poucos, até o momento em que seria inviável continuar na agência e tocar o estúdio ao mesmo tempo.

LAIS Já estávamos tocando o estúdio em paralelo por bastante tempo, e com isso construímos previamente uma base que nos possibilitou essa mudança. As coisas naturalmente foram tomando uma velocidade alta, e tivemos que estar disponíveis para o estúdio. O Ronaldo foi o primeiro a ficar no estúdio full-time, alguns meses antes que eu. Na minha experiência pessoal, foi um processo tranquilo mas sabendo que teria um misto de saudades. Eu trabalhava em um estúdio de design focado em editorial, o Bloco Gráfico, e lá estava imersa em um universo de trabalho que realmente gostava muito e que ainda queria explorar. Então, na época, ficou um pouco uma sensação de interrupção, apesar de ter plena consciência de que a mudança representava algo mais importante, é claro.

“Sou uma pessoa muito eclética neste sentido; não coloco nenhum designer, estúdio ou estilo como fonte de inspiração principal para meu trabalho. O cuidado com detalhes e minúcias tanto em soluções quanto no raciocínio me prendem atenção e curiosidade. Posso resumir esse interesse pela fascinação em complexidades imagéticas.”

O que inspira o trabalho de vocês?

RONALDO Seria praticamente impossível listar tudo que me inspira. Sou uma pessoa muito eclética neste sentido; não coloco nenhum designer, estúdio ou estilo como fonte de inspiração principal para meu trabalho. O cuidado com detalhes e minúcias tanto em soluções quanto no raciocínio me prendem atenção e curiosidade. Posso resumir esse interesse pela fascinação em complexidades imagéticas. Ultimamente algo que me chamou atenção foram projetos de código criativo, gráficos generativos e afins. Estou me aventurando no Processing e quebrando a cabeça para decifrar receitas que vejo nos feeds de Instagram. Respondendo à pergunta, o que me inspira é tudo aquilo que quando vejo me faz parar e entender seu raciocínio de construção.

LAIS Muitas coisas fora do universo do design me inspiram. No design, eu adoro materiais impressos, papéis, acabamentos. Impressos efêmeros também são fascinantes. Não sei se é o que mais me inspira, mas são para mim grandes incentivadores, a materialidade dos projetos é algo que me desperta bastante interesse.

Em termos de linguagem visual, além do panorama brasileiro, por causa da minha ascendência eu me interesso muito pelo design produzido no Leste Asiático. No Japão, gosto muito da linguagem que pode ser vista nos projetos de Yusaku Kamekura, Ikko Tanaka, Shigeo Fukuda, Kazumasa Nagai, e mais recentemente de Kobayashi Ikki; os trabalhos tipográficos de Ahn Sang-soo e Tien-Min Liao; projetos como o do escritório Blow, de Hong Kong, que apresentam um trabalho muito cuidadoso com os acabamentos dos materiais impressos.

Busco essas inspirações e desenvolvo uma identificação porque minha ascendência me desperta essa curiosidade. Mas essa linguagem não foi presente em meu repertório visual desde o início; foi presente tanto quanto para alguém que não tem ascendência asiática alguma, e que poderia ter sido apresentado a essa produção igualmente poderia ter sido apresentada a mim. Acho chocante ter tido o privilégio de cursar a faculdade de design e nos ter sido apresentado com tanta ênfase apenas a produção de design e artística Ocidental europeias e americanas, poucas coisas do Leste Europeu, além de quase nada da América Latina e do próprio Brasil. Não me lembro dos nomes asiáticos citados acima, que são já bem reconhecidos e que contribuíram para a história do design, terem sido citados uma única vez.

Motion para MAJ – Mostra de Arte da Juventude. Identidade visual por Estúdio Grade.

Olhando para trás, o que vocês gostariam de ter ouvido no início da vida profissional que tornaria tudo mais simples de lidar

RONALDO Mas que pergunta mais difícil… Acho que a proatividade de divulgar seu trabalho e não ter medo do que os outros vão achar seria a minha resposta. No início acabei por guardar muita coisa pelo simples receio de acharem ruim ou de dizer que não estava bom o suficiente. O ideal é sempre mostrar nosso potencial, seja aquele seu projeto xodó ou aquele para o cliente que alterou tudo e o resultado não ficou do jeito que você queria. Acontece!

LAIS Concordo, uma das coisas mais importantes é ter confiança no seu próprio trabalho. Em alguma medida, todo designer se preocupa com a opinião de outros profissionais. É maravilhoso quando gostam de sua produção; e se não gostarem, está tudo bem também. Outro ponto sensível é a autocobrança. Recentemente ouvi um dos melhores conselhos até então, e estou pensando nele diariamente. Veio de dois sócios que estão com um escritório há mais de 30 anos e que já me contaram bastante sobre a carreira deles. Eles disseram que, olhando para trás, o que eles teriam feito de diferente é desacelerar um pouco, dizer “não”, que há momentos em que o gasto de energia e as preocupações não valem a pena. Achei um conselho bastante valioso.

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