Movimento UX

Conheça Izabela de Fátima, fundadora de um dos podcasts mais ouvidos entre os brasileiros, sobre a área de experiência de usuário e pesquisa.

Se você pudesse se definir em 1 adjetivo, qual seria e por quê?

Curiosa. Parece que eu nunca saí da “fase dos porquês”. Faço perguntas o tempo todo, pra todo mundo. Sinto a necessidade de entender as coisas, as pessoas e os processos. Sempre quero saber como as coisas foram feitas, por quem e para quem. Se poderiam ter sido feitas de outra forma, mais simples ou mais rápida, mais efetiva ou mais humana. Fazer perguntas é quase um vício para mim. Acredito que encontrar as perguntas certas muitas vezes é mais importante do que a resposta em si.

Izabela de Fátima

Qual sua trajetória de trabalho?

Trabalhei com pesquisa e estratégia de comunicação por quase dez anos em agências de publicidade, produtoras digitais e consultoria de marca, em Belo Horizonte e em São Paulo, para marcas como Coca-Cola Brasil, HSBC, Nokia, Panasonic, Grupo Positivo, Neosaldina e Quem disse, Berenice?.

Em 2015, resolvi me aproximar de UX Design e produto digital. Para isso, criei o podcast, comecei a investigar sobre UX, fiz cursos e comecei a frequentar eventos como o IxDA, UX Conf e Interaction South America. Trabalhei alguns meses como freela de Pesquisa e Estratégia de UX e pouco tempo depois fui trabalhar na Huge, em um projeto para a Fiat Chrysler com o objetivo de criar uma melhor experiência de interação entre motoristas, passageiros e seus veículos através de produtos digitais e físicos. Em outubro de 2017 voltei para São Paulo para trabalhar no iFood. Comecei no time de pesquisa e novos produtos e hoje faço parte do time de produto/consumidor - e honrada por fazer parte de uma equipe tão talentosa e por trabalhar com um produto que admiro.

Você tem boa parte da sua vida profissional, incluindo suas primeiras formações acadêmicas, atuando na parte estratégica de marcas. Qual a diferença principal do que você fazia antes para o que faz hoje?

Trabalhar com pesquisa e estratégia para design de produtos digitais me dá a possibilidade de ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos com os produtos e serviços. Já no trabalho com publicidade o foco é mais entender o comportamento para influenciar as pessoas a comprarem produtos e serviços.

O que faço hoje é mais tangível, tem um caráter mais prático e focado nas pessoas, o que acredito ser mais relevante para a construção de uma marca do que a comunicação em si. Dizer que uma marca é boa pode ser efetivo, mas fazer com que a experiência das pessoas com uma marca seja boa é, no meu ponto de vista, participar verdadeiramente do processo de construção de uma marca.

1. Robson Santos e Elisa Volpato (entrevistados do podcast). 2. Primeiro dia no iFood.

Quando e como aconteceu aquela “fagulha”, o momento em que surgiu a vontade de trabalhar com experiência de usuário?

Eu trabalhava há alguns anos com estratégia de comunicação e marca em agências de publicidade, mas sentia uma frustração enorme quando percebia que o que havíamos planejado, a partir de pesquisa com consumidores e usuários, estava totalmente distante do que era executado. Sentia a necessidade de estar mais próxima do processo de execução e garantir que as diretrizes que havíamos planejado, estavam sendo colocadas em prática da melhor maneira possível para atender as necessidades das pessoas e também dos negócios.

Como o modelo de trabalho na publicidade é sedimentado há muitos anos, nunca consegui quebrar essa estrutura e me aproximar do processo final. Até que assisti a uma entrevista com a Jaime Levy, autora do UX Strategy, e percebi que o processo de trabalho de uma pesquisadora e estrategista de UX era exatamente o que eu estava instintivamente buscando. Senti um alívio grande em saber que existia essa possibilidade de atuação e não pensei duas vezes antes de fazer essa transição.

Além disso, vi a possibilidade de realizar um sonho antigo: trabalhar com design. Sou uma apaixonada por design que não sabe desenhar nem uma bola, mas vi a oportunidade de trabalhar com design usando outras ferramentas. Então, foi na área de UX que vi a possibilidade de unir uma necessidade com uma paixão.

Rebeca Xavier, fã do podcast.

Você diz que o Movimento UX foi uma iniciativa num momento em que procurou se aproximar da área de UX, e criar produtos além da comunicação. Como gravar os episódios já te ajudaram a entender e abraçar a área?

As entrevistas me ajudaram de forma direta e indireta. Tive a oportunidade de fazer perguntas sobre questões que realmente queria saber mais, diretamente às pessoas que são referência no assunto. Um privilégio. Mas o que me surpreendeu foi que também aprendi muito com o público do podcast. A partir do momento que compartilho uma entrevista, surge um novo canal de comunicação: direto com o público do podcast. A troca de experiências é, por muitas vezes, tão enriquecedora quanto as entrevistas em si.

Símbolo do podcast Movimento UX (detalhe), criado por Cristiano Sarmento.

Uma das suas premissas, e propósito do projeto, é de conversar diretamente com lideranças da área de experiência de usuário e aprender a partir do ponto de vista de cada um. E de fato, você conseguiu o tempo de muita gente importante. Em geral, você percebeu alguma diferença entre a opinião dos líderes do mercado em relação à opinião geral?

Não percebi uma diferença clara entre a opinião dos líderes do mercado com o público em geral, mas talvez uma diferença de postura em relação ao processo criativo e de trabalho. Todos são muito abertos a compartilhar toda e qualquer informação nova. E de alguma maneira, os líderes de mercado acabam influenciando a opinião geral. Porque criam, testam e arriscam o tempo todo. Eles estão sempre buscando novas formas de olhar os problemas e, principalmente, as soluções e oportunidades. Outro ponto interessante é que a maioria deles têm uma rotina pessoal para estudar e se manter atualizado, além do dia a dia de trabalho.

Izabela de Fatima no iFood

Em qual aspecto você acredita que a área de UX no Brasil pode ser melhorada?

Acredito que precisamos entender mais sobre o Brasil e sobre o brasileiro. Trabalhar com UX é muito mais do que investigar a experiência com a interface, o fluxo e a plataforma. É buscar entender as necessidades reais das pessoas. Para isso, precisamos investir mais em pesquisa para entender melhor o contexto cultural, social e econômico no qual estamos inseridos. A maioria da informação que consumimos sobre UX, a bibliografia, os cases e os dados, vêm dos mercados europeu ou americano, e nem sempre se aplicam à realidade brasileira.

Só entendendo as reais necessidades, motivações e particularidades do brasileiro, podemos usar o design e a tecnologia para remover barreiras e criar novos comportamentos e hábitos. Antes de entender como uma pessoa usa uma plataforma, precisamos entender porque ela escolheu ou não usá-la. E essa resposta só virá quando entendermos quem ela é.

O que você aprendeu nesses últimos meses que você achou que nunca iria aprender?

Esses dias aprendi a fazer testes de usabilidade com deficientes visuais. Nunca tinha tido contato com pesquisa para acessibilidade e foi o maior exercício de empatia que já fiz na vida. Tive que me colocar no lugar deles para planejar, recrutar e moderar os testes. Tive que ir atrás de especialistas na área para entender até mesmo como me portar na frente de um deficiente visual.

Uma experiência marcante porque tive que pensar, por exemplo, em como eles iriam assinar o termo de autorização de uso de imagem, em como deveria me portar perto deles, em como eles se locomoveriam até o local do teste. Descobri que precisaria andar com uma lâmpada extra na bolsa, caso a entrevista fosse na casa do entrevistado, o local poderia não ter iluminação suficiente. Tive que encontrar uma forma de gravar o áudio em canais separados (uma para o leitor de tela e a outra para o que o entrevistado falasse) para assim garantir a qualidade das gravações. E estar próxima a eles, mesmo que por pouco tempo, me fez perceber quantas dificuldades enfrentam no dia a dia e como a tecnologia pode ser uma grande aliada para eles.

Aprendi muito com os cegos (segundo eles, problema nenhum chamá-los assim). Quero levar essa experiência para a vida toda. Não apenas para ampliar o acesso dos portadores de alguma deficiência a produtos e serviços, como no trabalho com usuários sem nenhum tipo de deficiência. Afinal de contas, o que é UX design senão um exercício diário de empatia.

Izabela de Fatima

O que te traz inspiração no dia a dia?

Quase tudo pode ser inspirador: séries, livros, filmes, shows e até mesmo uma conversa de bar. A natureza do meu trabalho está diretamente ligada ao comportamento humano. Então, onde tem gente, tem inspiração. O importante é estar sempre aberto para trocar – e observar.

Claro que em cada época tem alguma coisa que chama mais a minha atenção. Atualmente tenho me interessado por neurociência. Conheci o estudo das emoções do Antônio Damásio e gosto de ler os textos da Suzana Herculano. Também gosto de ouvir podcasts sobre Design & UX, especialmente o Mixed Methods (UX Research) e o Design Matters (sou fã da Debbie Millman). Além das entrevistas serem inspiradoras, a voz dela é demais [risos].

E, com tanta informação, o mindfulness também me serve como uma ferramenta de inspiração porque me ajuda a limpar a cabeça para retornar ao que é essencial. Uso o app Headspace pra isso.

Onde você imagina estar nos próximos 10 anos?

Difícil essa! A ligação do mercado de UX Design com tecnologia gera mudanças com uma velocidade enorme. E também sou muito aberta a mudanças, por isso dez anos parece um período muito longo para planejar. Há dez anos estava começando minha trajetória como estrategista de comunicação e branding em agências e não imaginaria que hoje estaria trabalhando com UX. A única certeza é que quero estar tão empolgada com o que estiver fazendo quanto estou hoje com UX Strategy & Research.

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