Guilherme Falcão é diretor de arte e editor. Fundou a CONTRA (2013-16), uma editora de publicações colaborativas. Co-fundou A Escola Livre (2014-18) e desde 2016 atua como Diretor de Arte do Nexo Jornal e Gama Revista. Falcão tem forte relação com música desde a infância e elaborou uma playlist que reflete sua visão sobre o tema em nossos dias.
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Guilherme Falcão
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Neste exato instante tudo está se destruindo e desfazendo: “a natureza é só mudança, uma pedra não é fixa, ela está derretendo, se desmanchando, mas o faz tão lentamente que os meus olhos, que duram tão pouco, não conseguem ver” — a cor e a forma, as texturas, e aqui os sons. O ruído do bitmap e o nosso mundo de telas pixelado do glitch, a textura da fotocópia, o preto e branco (e vermelho). Neste exato instante tudo está se reconstruindo: ondas queimam rochas com seu sal, entropicamente a vida se refaz até o ponto em que tudo irá novamente passar de construção para ruína. A vida é conflito e beleza, e não sabemos exatamente em que ponto nosso trabalho se encerra e nossa vida começa. Atenção ao cruzar uma esquina.
Uma das minhas primeiras memórias é a de um grande móvel de madeira que ficava na sala da casa que cresci com meus pais. Noites e noites e dias com eles ouvindo música, e eu fascinado pelas capas de vinis e encartes de fita K7. A capa de MAIS, segundo álbum de Marisa Monte — quando ela virou algum tipo de PJ Harvey dos trópicos — sua silhueta cool toda em preto contra um fundo de vários sinais de “+” destacáveis, que roubei prá mim quando saí de casa deles, e tenho orgulho de dizer que só uma das facas foi rompida.
A descoberta do design como possibilidade de profissão também foi através do encarte de disco. O primeiro livro que comprei era uma monografia do estúdio inglês INTRO, responsável por capas de artistas como Broadcast e Primal Scream. O livro abria com um texto crítico que defendia a capa e campanha do álbum XTRMNTR (lê-se “exterminator”) como um artefato cultural, que traduzia toda a excitação e agonia de uma vida mediada por telas, altas e baixas resoluções, sobrecarga de estímulos informacionais, guerras culturais, verdades absolutistas e mentiras relativas. E ainda era só 2001. A tipografia neo-stencil foi de guerrilha política a cooltura a clichê, anunciando capa de revista e liquidação. Conflito e beleza. Eu fiz pouca capa de disco, mas fiz muita imagem png, e hoje em dia essas duas coisas são a mesma.
Ensaio visual para playlist Eufonia #2 por Guilherme Falcão.
Os gostos e desejos não são fixos, mas por hora essas canções vão me bastar. Que façam companhia prá você trabalhar, descansar, ou dar uma volta por aí, sem ninguém saber. “É preciso adiar o fim do mundo para contar novas histórias”.