Lena é Product Designer Lead na Globo.com, onde há mais de 5 anos vem criando experiências digitais para os principais produtos da marca, como Globoplay e GE. Natural de Manaus (AM), teve influência criativa através de sua mãe, arquiteta, que a norteou perseguir títulos acadêmicos na área de Design e posteriormente se encontrando no campo digital. Lena compartilha as referências que marcaram sua trajetória profissional e deixa uma provocação para o mercado.
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Sabe aquela criança chata? Que pergunta o porquê de tudo? Prazer, Lena. Cresci e essa inquietude nunca passou totalmente. Com o tempo, acabei transformando essa qualidade em algo permanente na minha profissão. Nasci em Manaus, no Amazonas, e lembro que minha mãe, arquiteta, sempre fez todo tipo de arte. Por conta disso, crescendo rodeada de inspirações, vejo que o lado criativo acabou florescendo em mim também.
Quando eu estava completando 3 anos no curso de Engenharia Civil, decidi me arriscar numa segunda graduação. Depois de tentar Arquitetura por um semestre inteiro, acabei optando por cursar Design numa das poucas faculdades que ofereciam o curso em Manaus na época, e foi onde me encontrei. Após concluir as duas graduações em 2012, iniciei um mestrado em Magazine Publishing (Publicação Editorial de Revistas) na London College of Communication, em Londres. Nessa época eu queria ser designer de revistas.
Encontrei o que realmente gostava de fazer quando, depois de passar por alguns estágios no departamento criativo de publicações, fiquei encarregada de projetar um aplicativo para acompanhar um título editorial. Acabei mergulhando de cabeça no mundo efervescente de experiência de usuário.
Concluindo o mestrado, voltei ao Brasil e trabalhei como designer de interfaces no Instituto Nokia de Tecnologia. Em 2015, comecei a fazer parte do time de designers da Globo.com, onde participei durante 4 anos no Globoplay, acompanhando o produto desde o lançamento até o reposicionamento estratégico. Vivenciar as diferentes fases do produto foi uma oportunidade de crescimento profissional insubstituível e que me tirou várias vezes da zona de conforto. Hoje, trabalho com um time de designers incríveis, projetando experiências de consumo de conteúdo de esportes dentro do ge.globo (antes chamado de globoesporte.com).
Olhando para trás e refletindo sobre esses anos de carreira, tenho muito orgulho de ser uma mulher amazonense fazendo design no Brasil. Sinto orgulho de ter contribuído em projetos de alto impacto e feliz de perceber que nunca abandonei a postura curiosa, questionadora e que busca se aprofundar em um problema para conseguir solucioná-lo de verdade.
Minha mãe tinha uma coleção de miniaturas de cadeiras assinadas por designers famosos. Lembro que quando criança, admirava os exemplares de longe e gostava especialmente de uma cadeira vermelha e azul.
Folheando os livros sobre Design e Arte que ela tinha, costumava apontar as cadeiras da coleção e sempre voltava nas páginas que tinham umas composições abstratas de linhas pretas e aplicações pontuais de cor sobre um fundo branco. Foi somente estudando História da Arte e Design que entendi que Gerrit Rietveld e Piet Mondrian eram os autores das obras que admirava quando criança, mesmo sem entender o porquê.
Construído um repertório de design, consegui perceber que o que me atraia naquelas peças em especial eram os princípios construtivistas e o abstracionismo geométrico característicos do movimento de arte moderna holandês De Stijl (Neoplasticismo). Hoje consigo enxergar que muito da clareza, uso ativo de grid e geometria e a aplicação consciente de cor que busco trazer para o meu trabalho vieram dessas primeiras referências, quando ainda nem pensava em fazer Design.
Em 2013, despretensiosamente folheei uma edição de "O design de Bea Feitler", da saudosa editora Cosac Naify, e me apaixonei pela história e pelo trabalho dessa designer carioca. Não preciso dizer que o livro virou um dos meus preferidos.
A biografia de Bea é tão expressiva quanto o trabalho que ela produziu. Mulher, brasileira, filha de imigrantes e trabalhando na Nova York dos anos 1960, Bea Feitler venceu a desconfiança e resistência de um mercado predominantemente masculino e produziu obras expressivas que se tornaram ícones de uma geração. Seu trabalho é gráfico, ousado, colorido e inteligente – verdadeiras representações gráficas da época em que viveu.
Obras como as de Bea são um dos motivos pelos quais eu queria tanto fazer design editorial. Sob sua direção, as páginas tem vida, ritmo e contraste. Ilustrações, tipografia, cores e fotografias se combinam para criar composições impactantes que complementam o conteúdo e continuam a inspirar mesmo meio século depois.
Meu primeiro contato com o nome e trabalho de Dieter Rams foi durante a graduação. Mas só comecei a compreender o real impacto da sua obra e filosofia quando comecei a trabalhar com design de produtos digitais e UX.
Através dos objetos cotidianos que desenhou para as empresas Braun e Vitsoe por mais de 50 anos, Dieter Rams transportou o design das salas de museus para dentro da casa das pessoas, mostrando que é possível equilibrar tecnologia, estética e funcionalidade para criar produtos atemporais. Elevando objetos comuns ao nível de obras de arte, Dieter ajudou a moldar o próprio mercado de consumo no qual estava inserido.
Apesar da sua atuação ter sido originalmente focada em design industrial, ao enumerar os “10 princípios do Bom Design”, Dieter Rams resumiu os valores que aplicou, defendeu e difundiu pelo mundo com seus produtos. Dessa forma, tornou-se uma referência para qualquer profissional que queira usar o Design como ferramenta para resolver problemas diários, seja através de um objeto em três dimensões ou de uma experiência digital.
Para mim, o trabalho do Dieter é o exemplo prático de que independente da aplicação, seja gráfica, editorial, produto ou serviço, o Design está a serviço das pessoas.
Acredito que a competitividade do nosso mercado faz com que alguns designers sintam uma pressão em desenhar a próxima solução revolucionária, independente da necessidade do projeto. É muito fácil se perder nas possibilidades que o visual e a interação podem agregar a um objeto de design. Mas as tendências passam e as soluções que perduram são as que usam essas disciplinas como ferramentas para atingir um objetivo.
Muito mais do que conhecimento técnico, acredito que grandes designers desenvolvem uma capacidade de abstração e edição muito apurada. Eles conseguem visualizar o produto em seu contexto de uso e, dessa forma, conseguem perceber exatamente quando menos é mais, assim como quando o contrário é também uma verdade.
Encontrar o momento certo para usar padrões ou inovar é uma tarefa muito difícil, que precisa tanto de repertório quanto de prática. É preciso fazer um esforço ativo para permanecer apaixonado pelo problema e não por uma solução. Acredito que, como designers, precisamos manter-nos sempre conscientes de que o Design só funciona quando resolve um problema para alguém.